Nos claustros das minhas memórias a tua é das que mais ressoa em ecos saudosos mudos.
A única que nunca, nunca escolheria ter para recordar. Para mim ias ser sempre eterno, sempre de braços abertos para mim, com o teu sorriso largo e doce.
"Coração ao largo", disseste-me uma vez, quando te procurei em busca de conforto para uma tomada de decisão que ia mudar uma vida. A minha. E com o coração nas mãos fui. Sabia que, desse por onde desse, ias sempre estar lá, independentemente do que o futuro poderia reservar. E sempre com o meu lugar no teu colo quando decidisse voltar.
Sinto tanto a tua falta... A névoa apática que se instalou nos meus dias teima em toldar-me o coração, em fazer-me esquecer que a realidade é esta, que não te vou voltar a ver, ou ouvir, ou abraçar, ou simplesmente sentar-me na mesma mesa contigo e partilhar família e gargalhadas à volta de uma refeição. Horas de descrença em que não acredito, em que automatizo o dia a dia e que me privo de sentir seja o que for para evitar que a dor que carrego transborde. Para evitar lembrar.
Porque lembrar dói tanto.
Porque não consigo aceitar que o sol já não te traz a cada manhã, que o teu telefone já não toca e que a tua cadeira está vazia.
Porque não sei lidar com este vazio, com este sem sentido das coisas, com as sombras que se instalaram na minha alma e com a metade de mim que morreu quando me deixaste.
E agora?..
Guardo tudo o que me ensinaste, todas as músicas que cantarolávamos nas viagens de carro, os nossos assobios e o batuque que fazias que eu tinha que completar, fosse quando fosse, onde fosse! Guardo as tuas rugas de expressão quando te rias, o teu cabelo fino quase sem brancas e o cheiro da tua pele quando te abraçava nas pontas dos pés. Guardo o "Gosto de ti daqui até à China", e naquela altura os meus olhos brilhavam como duas estrelas de açúcar, tão longe que era!..
Guardo as aulas de bicicleta, as quedas e os joelhos esfolados e o teu encolher de ombros, resignado, enquanto eu chorava .."Lá vais ficar aqui com uma medalha para o resto da vida.."
Guardo, sobretudo, o "Estás feliz? Isso sim, é o mais importante."
O meu primeiro herói, o meu primeiro amor, o meu Rei.
Até já Pai.
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